Sunday, May 28, 2006

(Para) Sempre




Mente-me; diz-me que o tempo não te levará,
Que estas rugas que vejo são flores que desabrocham em nós;
Lembra-me que os espelhos nunca foram de se fiar.
Despe-me e vê o meu corpo delgado e frágil,
Traçado a vinil – não a carvão –
E deseja-me, mostra-me o amar efervescente
Dos dias de ontem.

Solto o cabelo que se enevoou;
Seco, frágil,
Mas sempre o foi!
Somos tão iguais ao que éramos
Envelhecemos sem sequer crescer?
Ainda passo noites em branco
Ainda detesto fraldas e água-pé.
Chama-me moça;
A minha ingenuidade nunca foi maior.
Por o saber torno-me velha?

O meu vestido de linho claro não cheira a naftalina.

Friday, May 19, 2006

Desvairos I



Que ciência é a minha
Que não é ciência nenhuma?

A objectividade hoje em dia basta
Para se ser Sr. Doutor-com-todas-as-letras
Pois é.

Mas não deveria se deveria

Ser apenas recto e matemático

Quero para mim uma ciência.
Azar o meu,
Que não sou

Ob-jec-ti-va.

Thursday, May 18, 2006

Descalços















Nas ruas velhas
De calçadas íngremes,
Andam sem rumo as crianças
de olhar partido e só.
E sobre os vidros estilhaçadosque lhes ferem os pés,
Correm sem rumo as crianças
de olhar partido e só
quem o futuro abandonou
Indefinidamente.
As ruas são áridas e vazias
sem amor
As ruas onde as crianças
têm olhos partidos
como duas janelas largas e tristes.

Wednesday, May 17, 2006

I




Escondido em cada coisa, no pensar vibrante
De cada ínfima partícula, procuro incessantemente
A perfeição do Ser. Elas o são, modesta
Ou imponentemente, esquecidas ou sobrestimadas,
No seu exacto lugar;
E derivam, ao acaso, nas várias correntes
De um só oceano de caos.
Não há mundos inanimados, e porém,
Tudo parece tão mais vivo quando o imaginamos,
Comparado à sórdida realidade.
Mesmo o nada – tão mais cheio, provável, certo,
Quando o sonhamos.
À falta de uma realidade lógica, congruente,
Embrenho-me nos enredos nublosos da minha mente.
Não há momentos perdidos, e ainda assim,
Por vezes vivemos para objectivos incertos, indefinidos –
- nunca inexistentes.

Tuesday, May 16, 2006

Da Multiplicidade e Impossibilidade da Poesia



















Escrever é tão mais
Que o rabiscar fortuito do papel em branco
Para o arrancar à sua monotonia;
É a reflexão profunda de cada instante;
A metafísica dos devaneios.

Eu vivo em prosa,
Mas penso e amo em verso –
– E ainda assim não consigo achar
O amor nas palavras.

Ensaios atrás de ensaios
Persigo os pensamentos
Que morrem,
Insubmissos,
Para escapar ao cativeiro.

Amarrá-los injustamente?
Não; deixá-los antes voar,
Continuar a ser os olhos
Que me mostram o Mundo,
Deixá-los morar
Em esboços e poemas inacabados.