Tuesday, November 21, 2006

Transmigrações

III

Passam os classificados de mão em mão
Inúteis, vazios, que já não iludem
Mãos rijas, mãos duras e enferrujadas
Com calos de labuta cristalizados pelo tempo
Em cujas unhas o esterco se instalou
Por dormir tantas noites na vala
Por errar tantas horas no aterro
A sonhar, porque já não dormem.


Nas tabernas e tascas aglomeram-se, coitados,
Desempregados, pobres, embriagados,
Para não terem de ver a morte lenta dos filhos
Que não têm o que comer.
À luz crua do dia distinguem-se,
De compleições romenas, árabes, indianas
Estendendo a mão a uma esmola piedosa
De um qualquer racista arrogante.


Porque a Terra afinal não era aquela
Porque afinal os Velhos tinham razão
Porque as dúzias de rejeições rancorosas
Finalmente venceram o corpo cansado
Que já não esconde a sua marginalidade,
Que por não ser de cá não pôde vencer,
Que não pôde sequer perder com dignidade;
Finalmente solto, finalmente só.

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