Thursday, June 28, 2007

Não Saber


Penso – e todo o vazio se debruça sobre a imensidão.
As palavras colam-se no céu da boca.

Falo – e os olhos movem-se, pousam sobre mim.
Não te deixarei morrer.

Penso – a dúvida dissipa-se e despe-se da mudez.
Os monstros voltam para me assombrar.

Monday, June 18, 2007

Terapêutica - II



Sou branca nesta bata enferma
Nestes corredores vazios e frios de afeição
Nas cores desmaiadas do quarto vazio
Onde definho sem protestar

Onde estás?
Não me deixes na solidão destas paredes
Quero sentir os teus dedos quentes –
– Estancam o meu sangue frio
Quando escorre pela cara
Em lágrimas escarlates e tristes

Pela janela,
Olho e disperso-me nos raios de luz crua
Das madrugadas sucessivas
Iluminadas pela minha respiração
E sou branca
Nos meus olhos negros e mãos cansadas
De não te deixar partir

(A cada dia que passa me pesa mais
Carregar-te sobre os ombros e ver-te morrer)

Sou branca
Sou branca por não poder sorrir
Pálida
porque morro a cada palavra tua
E não interessa se a minha pele é morena
(Se venho de praias
por onde andaste, só,
E que me fizeram cor de mel)

Eu agora sou branca
De morte

Thursday, June 07, 2007

Antigonias - II




Arrastando loucamente de meu em meu
sem temer o desatino
ser amência e então criar
criar loucamente gestos
de um maestro que dirige a invenção

e então

depois
de uma forma incerta, irreal
os contornos mal definidos de uma pauta

soltas assim de mim
as euritmias
a gesticulação

oscilam imprecisamente
nas mangas do meu fraque

eu bocejo longamente
as pausas de uma Sinfonia
carpidos em cânone

decreto de aborrecimento

os senhores revolvem-se nos seus túmulos
como almas perdidas que são
ou são mortos

apenas assim

Thursday, January 25, 2007

Tordo














Gostas da cor dos meus olhos.
– Como sabes?
Disse-me o tordo.

Gostas de me ver sorrir.
– Como sabes?
Disse-me o tordo.

Gostas do sol de Outono.
– Disse-te o tordo?
Disse-me ele.

Gosto de ti.
– Disse-te o tordo?
Digo-to eu.

Tuesday, November 21, 2006

Transmigrações

III

Passam os classificados de mão em mão
Inúteis, vazios, que já não iludem
Mãos rijas, mãos duras e enferrujadas
Com calos de labuta cristalizados pelo tempo
Em cujas unhas o esterco se instalou
Por dormir tantas noites na vala
Por errar tantas horas no aterro
A sonhar, porque já não dormem.


Nas tabernas e tascas aglomeram-se, coitados,
Desempregados, pobres, embriagados,
Para não terem de ver a morte lenta dos filhos
Que não têm o que comer.
À luz crua do dia distinguem-se,
De compleições romenas, árabes, indianas
Estendendo a mão a uma esmola piedosa
De um qualquer racista arrogante.


Porque a Terra afinal não era aquela
Porque afinal os Velhos tinham razão
Porque as dúzias de rejeições rancorosas
Finalmente venceram o corpo cansado
Que já não esconde a sua marginalidade,
Que por não ser de cá não pôde vencer,
Que não pôde sequer perder com dignidade;
Finalmente solto, finalmente só.

Thursday, July 06, 2006

VIII


























E vêm eles
Eles que não desejam voar
Que amam a lucidez como um jarro de água limpa
E cujas caras imperturbadas
Sorriem mansamente

E tenho medo
Porque a eles não lhes conheço ardores
Nem trejeitos
Não enlouquecem
E todos os seus gestos são sólidos
E tão ausentes

Eles, os dos olhos perdidos
Que comportam um vazio
De sorrisos rasgados, de berros, sangue e calor
De loucura

Eles que não sonham
Eles que não desejam voar.

Saturday, June 03, 2006

Gotas


























(Estranho:
Tu, que vens de uma ilha
Povoada por sonhos
Não te deixes conquistar
Pela indiferença pacata
Dos nossos dias de solidão e desatino.)

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A água corre, corre a lágrima,
Desliza pela alma.
Até aos pés.

Na janela, as gotas de chuva
Perseguem-se, em corridas eternas
Pela maior fugacidade.
As suas sombras, como fantasmas,
Correm pelo meu rosto,
Brotam dos olhos gastos.

Oiço o gotejar persistente
De uma qualquer torneira esquecida,
Que perfura o silêncio
De segundo a segundo,
Como uma lâmina, ou uma dissonância ácida
De uma quarta aumentada.

As suas quedas sucessivas
Ressoam, ecoam infinitamente em mim.
Enchem-me do vazio
Que me trazem os espaços silenciosos
Da sua propagação.

Só eu, intemporal, inafectada
As lágrimas rolam pela minha face,
Não as consigo parar.
Nem as censuro.